Energia na prática jurídica

São vários os domínios de realização do direito da energia que se abrem à investigação do DaeDe e dos quais os profissionais que trabalham nesta área poderão colher proveitosos frutos.


As políticas energéticas

Com efeito, as políticas energéticas são hoje amplamente debatidas a nível mundial – como atestam os diversos trabalhos e publicações da International Energy Agency –, em fóruns e instituições internacionais como o G20 a ONU e a OCDE, pelo carácter estratégico que as mesmas representam para todos os sectores económicos, considerando-se que este é um domínio que pode e deve contribuir activamente para uma economia resiliente e para um crescimento sustentável.

No plano europeu, as preocupações são também alinhadas com esta estratégia mundial de garantir a segurança no abastecimento, a optimização na exploração dos recursos naturais e uma ligação estreita entre as políticas energética, do ambiente e do clima. Procura-se, sobretudo, garantir que a actuação dos diversos Estados-membros contribua para “Uma energia sustentável, segura e a preços acessíveis para os europeus”.

Em Portugal, estes objectivos foram também acolhidos em diversas medidas e encontram-se presentes no Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética (Estratégia para a Eficiência Energética - PNAEE 2016) e no Plano Nacional de Acção para as Energias Renováveis (Estratégia para as Energias Renováveis - PNAER 2020).


O Estado regulador

O Estado regulador é hoje um Estado diferente do Estado de direito tradicional, pois não se trata apenas de disciplinar sectores de actividade económica segundo regras jurídicas e princípios normativos no contexto do denominado modelo de ‘command and control’, mas também de regular esses sectores recorrendo a estratégias de actuação, muitas vezes decalcadas e informadas por princípios e institutos típicos do domínio da gestão (os denominados ‘market based mechanisms’ / ‘market based instruments’), no âmbito de uma linguagem universal, que alguns apelidam como governance de políticas públicas.

Com efeito, os instrumentos do Estado regulador fazem uso de novas dinâmicas que estão para além da autoridade do poder público, dinâmicas entre as quais adquirem especial destaque, entre outros, os instrumentos de orientação (guidance), de persuasão (complice strategy) de normação técnica (Standards and Technical Regulations), de avaliação (impact assessment) e de controlo (accountability).

E na execução desta nova dinâmica surgem também novas entidades, com especial referência para as autoridades reguladoras independentes, que, sendo entidades típicas dos sistemas anglo-saxónicos, não deixam de suscitar problemas variados no contexto dos sistemas jurídicos continentais, em particular por actuarem em domínios típicos do tradicional Estado de bem-estar, que caracterizou nas últimas décadas o denominado modelo social europeu.


Redes e regulação das redes

Na área da energia encontramos, de resto, problemas específicos da denominada regulação económica, em especial no que se refere à regulação das redes energéticas. Problemas como a caracterização do respectivo estatuto jurídico, dos modelos de exploração mais eficientes ou dos sistemas de financiamento mais adequados constituem apenas alguns dos tópicos em estudo.

Tópicos que nos obrigam também a reflectir sobre as atribuições das pessoas colectivas de direito público, em especial quanto ao contributo dos municípios e das Regiões Autónomas nestes sectores, tendo em conta os novos desafios, como a implementação das políticas da mobilidade eléctrica, da mobilidade sustentável, da planificação energética no âmbito do Programa ECO.AP e das redes inteligentes.

Mas não só, também a nível supranacional os desafios são enormes, quer no domínio das redes transeuropeias que hão-de permitir concretizar os desígnios da política europeia em matéria de energia eléctrica e gás natural, quer no domínio do financiamento de projectos transnacionais na Europa e em outras regiões do mundo.


Energias Renováveis

A necessidade de pôr em marcha uma economia hipocarbónica competitiva, orientada pelos objectivos do Horizonte 20/20, abre igualmente à investigação várias questões jurídicas nucleares, tais como a tributação energética, a adequação dos regimes jurídicos aos perfis energéticos dos Estados-membros e ainda a coerência e estabilidade dos regimes de auxílio às energias renováveis. Na verdade, face ao desfasamento existente entre os ambiciosos objectivos estabelecidos pelo direito europeu nesta matéria e a recente pressão colocada pela crise económica e financeira, acentuam-se os conflitos típicos da tensão entre estabilidade e mudança num quadro de incentivação económica.


Pesquisa e produção de petróleo e gás natural

Num contexto de corrida mundial à aquisição de fontes de energia, não se ignora a relevância dos problemas jurídicos associados à pesquisa e produção de petróleo e gás natural.

Aqui, paralelamente às questões ambientais, de tributação ou mesmo de regulação, avultam as questões do relacionamento entre os Estados produtores e as International Oil Companies, entre elas os modelos de adjudicação de direitos de pesquisa e produção, os tipos contratuais de partilha de riscos – a saber, a concessão, os contratos de partilha de produção e os contratos de serviços (com ou sem risco), e as limitações ao poder normativo dos Estados trazidas por certas figuras contratuais (por ex., as cláusulas de estabilização ou freezing clauses e as cláusulas hardship), cuja validade importa escrutinar mais atentamente.


Arbitragem do investimento estrangeiro

A jusante, surgem os confrontos provenientes do exercício das prerrogativas da estadualidade num quadro de vinculação internacional e de necessária cooperação com os investidores privados. Sem surpresas, o sector energético é um dos catalisadores da arbitragem internacional no domínio do investimento estrangeiro (especialmente no modelo de arbitragem do sistema ICSID), alimentando um debate científico que extravasa o próprio sector e que vem entroncando nas “novas” correntes do direito público global.

É este um debate que urge igualmente acompanhar, atento o avolumar das cláusulas de arbitragem contidas em tratados bilaterais de investimento e em tratados multilaterais de investimento, de entre os quais se destaca, pela presença da União Europeia como parte contratante e pela pertinência temática, o Tratado da Carta da Energia.